INTRODUÇÃO

Os incêndios de 2017 tiveram um impacto sobre os cidadãos e sobre o património natural e edificado, de uma severidade nunca registada em Portugal nem noutro país da Europa Ocidental ou do Mediterrâneo. Do debate após 2017 obteve-se consenso sobre as fragilidades sistémicas identificadas pela Comissão Técnica Independente (CTI1), algumas das quais crónicas e há muito referenciadas, como a falta de prevenção ou a não integração do conhecimento na gestão das operações. A par da dimensão da tragédia, o clamor social para que não se voltasse a repetir, exigiu uma abordagem ambiciosa, recorrendo a todas as capacidades nacionais, e ao melhor conhecimento existente a nível internacional, para reduzir a incidência dos incêndios rurais e dos seus danos para níveis aceitáveis do ponto de vista ecológico, social e económico.

Dos relatórios produzidos, e do debate que teve lugar na sociedade e entre os especialistas, foi amplamente reconhecido que os incêndios mais severos e frequentes resultaram de uma formulação excessivamente simplificada de um problema complexo, onde as principais soluções e apostas (reforço da rede viária, aumento de pontos de água, opção pela rápida deteção e supressão dos incêndios), embora com efeito no curto prazo, produziram um resultado contrário no médio prazo, uma vez que descuraram o processo de acumulação da vegetação e enviesaram a perceção do risco3 por parte das populações. Falhou a prevenção, afirmou-se recorrentemente, num sistema que mitigava as consequências, mas descurava atacar as causas do problema.

Pela complexidade associada ao envolvimento e compromisso de todas as partes interessadas — não só as públicas, mas em particular as privadas, que detêm a propriedade da maioria do território português — foi imperativo estabelecer um Plano Integrado com uma Estratégia e um Programa Nacional de Ação, com a participação de todos os agentes, com o objetivo de transformar os incêndios rurais severos em Portugal em eventos raros.

Foi este desafio iniciado em novembro de 2017, pela Estrutura de Missão para a Instalação do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais (SGIFR), com a realização de um encontro internacional onde se recolheu informação sobre as melhores práticas de outros países com similares problemas. No primeiro trimestre de 2018 estudou-se o modelo existente até 2017, os contornos e exigências do novo SGIFR e a sua organização, atendendo às orientações da Resolução do Conselho de Ministros n.º 157-A/2017, de 27 de outubro, que define alterações estruturais na prevenção e combate a incêndios florestais, concretizando as propostas da CTI1. À luz deste alinhamento, desenhou-se a estratégia e os dispositivos para a campanha de incêndios de 2018 e participou-se ativamente nos trabalhos do Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT), de que a presente Estratégia 2020-2030 é subsidiária.

Com o arranque formal dos trabalhos das equipas de projeto, de julho a setembro de 2018, mobilizaram-se as entidades públicas a inscrever a sua ambição, propostas e recolha de contributos, consolidadas num momento de codesenvolvimento com a participação alargada da Administração Central do Estado. Definida a visão e os objetivos estratégicos, dinamizaram-se sessões de trabalho e reflexão com as partes interessadas, públicas e privadas, consolidando o diagnóstico e onde se recolheram também propostas de medidas para cada um dos objetivos estratégicos identificados. No final de 2018 foi constituído, na Assembleia da República, o Observatório Técnico Independente (OTI), envolvido desde logo no processo de auscultação para apresentação de propostas para a construção do plano. O OTI foi produzindo estudos técnicos, relatórios e notas informativas, que permitiram também melhorias nos documentos acima referidos.

Conforme previsto na Resolução do Conselho de Ministros n.º 12/2019, de 21 de janeiro, a Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, I. P. (AGIF, I. P.), entregou ao Governo a primeira versão do Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais (PNGIFR) a 7 de março e, desde então, têm sido dinamizadas várias reuniões para receber os contributos das entidades públicas e respetivas tutelas, paralelamente, foram promovidas reuniões técnicas plenárias, bilaterais e setoriais de concertação.

Aprovado no Conselho de Ministros de 5 de dezembro de 2019, o documento que engloba a Estratégia e a Cadeia de Processos, foi colocado em discussão pública durante 60 dias, através do sítio consultalex.pt. Durante esse período foram realizadas 73 sessões de esclarecimento de norte a sul do País, onde participaram mais de 2 000 pessoas. Foram recebidos 115 contributos escritos que permitiram a melhoria dos documentos colocados em discussão e também uma melhoria significativa do Programa Nacional de Ação.

Sendo este um Plano Integrado, com a participação e envolvimento de todas as partes envolvidas no processo, a solução apresentada acolhe os principais contributos e propostas após consulta pública, compondo-se deste modo em: Estratégia 2020-2030 e Programa Nacional de Ação.

A Estratégia 2020-2030 estabelece a visão, a missão, os valores, identifica o contexto, designa as orientações e objetivos estratégicos, apresenta as metas e introduz um novo modelo de governança e de gestão do risco, detalhado no documento específico da Cadeia de Processos.

É a partir deste suporte estratégico que o Programa Nacional de Ação aprofunda, atribui prioridades e detalha as linhas de ação, ou projetos a implementar, com a respetiva calendarização, orçamento e entidades primariamente responsáveis e participantes, incorporando e reforçando, também, medidas que têm já vindo a ser implementadas nos últimos dois anos.

Recorda-se ainda o compromisso de neutralidade carbónica assumido por Portugal para o ano 2050. Para que tal aconteça, a capacidade de sumidouro carbónico do país terá que crescer até às 13 Mton/ano, valor que implica uma redução da área anualmente ardida em incêndios rurais para mais de metade. Atendendo ao aumento da temperatura que já hoje é conhecido, deveremos atingir este objetivo no mais curto intervalo de tempo.

O PNGIFR propõe um apuramento regional do Programa Nacional de Ação, de concretização gradual e sem ruturas de funcionamento do sistema que passa pela implementação faseada, de acordo com uma identificação dos processos prioritários, e recorre, sempre que desejável e possível, a pilotos e programas ad-hoc proporcionando uma implementação validada e sustentável. Este processo é tão mais relevante sabendo que o SGIFR se organizará territorialmente nas unidades territoriais NUTSII e NUTSIII, o que exige o desenvolvimento de mecanismos de articulação institucionais alinhados com esta organização territorial, ancorando-se a transição num programa de gestão da mudança baseado em pilotos territoriais, envolvendo conjuntamente o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P. (ICNF, I. P.), a Guarda Nacional Republicana (GNR), a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), as Forças Armadas, as Autarquias, os Bombeiros e as Organizações de Produtores Florestais (OPF).Por outro lado, a implementação do SGIFR e sua respetiva Cadeia de Processos obriga à revisão dos diplomas que fixavam mecanismos anteriores, nomeadamente, o Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de junho.

A Estratégia e o Programa Nacional de Ação relativos ao PNGIFR, que titula o intervalo 2020-2030, assume como ano-zero, de implementação, o ano de 2019, durante o qual decorreram ações que estavam inscritas na Resolução do Conselho de Ministros n.º 157-A/2017, de 27 de outubro, e outras definidas nos planos de atividades dos vários organismos públicos, na Lei do Orçamento do Estado e noutros diplomas e iniciativas avulsos entretanto publicados que procuram mitigar as debilidades que ao longo do tempo tinham vindo a ser identificadas.

<p>Troncos envoltos uns nos outros</p>

Troncos envoltos uns nos outros